terça-feira, 23 de março de 2010
Brincando à Beira do Abismo
23/03/2010
por Adriano Benayon
Farra dos bancos
1. Em março de 2008, publiquei artigo intitulado “Ascensão estratosférica dos lucros dos bancos”. Dizia então:
“Os lucros de 31 bancos em atividade no Brasil aumentaram, em 2007, para R$ 34,4 bilhões, com crescimento real de 43,3% em relação a 2006, quando tinham atingido R$ 25,05 bilhões. O retorno sobre o patrimônio aumentou de 21,2 para 24,3%.”
Que temos então? Uma escalada em aceleração desde o início dos oito anos de FHC, período em que a média de crescimento real dos lucros foi 11% aa., ou seja, acumulou 130%. Nos dois primeiros anos de Lula, a média anual subiu para 14% aa. De 2003 a 2007, para 19,8%, acumulando 147% em apenas 5 anos. Computando os dois períodos, 468%, ou seja, os lucros reais multiplicaram-se por quase seis.”
2. Agora, dois anos depois, começam a ser divulgados os resultados de 2009. Não saíram ainda todos, mas já se pode avaliar: apenas cinco bancos já somam lucro de R$ 37,3 bilhões, superando o lucro total dos 31 bancos computados em 2007: Itaú-Unibanco – R$ 10,5 bilhões; Banco do Brasil – R$ 10,5 bilhões; Bradesco – R$ 8 bilhões; Santander – R$ 5,5 bilhões; Caixa Econômica – R$ 2,9 bilhões.
3. Entre esses, há dois bancos públicos, o BB e a Caixa, que arcaram com o grosso dos financiamentos à produção agrícola e industrial, à parte os cobertos pelo BNDES, o banco federal de desenvolvimento.
4. Em função disso, o aumento do lucro do Banco do Brasil foi bem menor que o dos bancos privados e estrangeiros, como o Santander. A Caixa Econômica teve diminuído seu lucro em 22%, comparado com o de 2008.
5. Já os privados seguem desfrutando de lucros em célere crescimento. São mais eficientes? Não. A política econômica assegura-lhes lucros, sem que eles desempenhem qualquer função útil à economia, reservando-lhes ganhos sem risco, o contrário da economia de mercado e competitiva.
6. De fato, o Banco Central continua amamentando os bancos com taxas reais de juros acima de 12% aa. nos títulos públicos, que tiveram taxas negativas nos outros países. O ano de 2009 caracterizou-se pela depressão, mesmo no Brasil, onde a produção industrial recuou muito.
7. Os concentradores tripudiam sobre o País. Diante da depressão que afunda o emprego, os salários e a produção, as taxas de juros permanecem astronômicas, sob a benigna (para os banqueiros) proteção do Banco Central e das “autoridades”.
8. O fato de os lucros dos cinco maiores bancos terem, em 2009, ultrapassado os obtidos em 2007 pelos 31 principais, significa não somente serem eles cada vez mais favorecidos pelo “governo”, mas também que a concentração teve peso importante no resultado.
9. Com efeito, só durante esse curto período, houve, entre outras, duas grandes transações concentradoras: a absorção do Unibanco pelo Itaú e a compra pelo Santander das operações do ABN-AMRO (holandês), que adquirira, há tempos, o Banco Real.
Crise e Santander
10. O Santander, que paga as palestras de FHC aqui e no exterior, foi o beneficiário da escandalosa privatização com a qual a União transferiu a propriedade do BANESPA, o maior banco estadual do mundo, àquele braço da oligarquia financeira mundial.
11. Mas quem é o Santander? É um banco com sede oficial na Espanha, originário da região basca, controlado pelo Bank of Scotland e, portanto, associado ao grupo Inter Alpha, dirigido pela família real britânica. A mesma que faz arrancar do território brasileiro as zonas mais ricas em minérios do mundo, situadas em Roraima e outros estados do norte, a pretexto de serem áreas indígenas.
12. Observadores competentes apontam a Espanha como epicentro do colapso da união monetária européia, previsível para este ano e já desencadeado com a bancarrota da Grécia. Esta tenta conseguir a reestruturação de suas dívidas, a qual, concretizada, conduzirá às da Itália, Espanha, Portugal e Irlanda. O conjunto envolve quantia equivalente a US$ 2 trilhões, mais que o triplo do custo da quebra do Lehman, em 2008, a qual precipitou o colapso financeiro em Nova York.
13. O Santander é o banco com maiores problemas na Espanha, e os prejuízos dele agravam a crise da City de Londres, onde, proporcionalmente, as intervenções com dinheiro dos contribuintes para salvar bancos que deveriam falir, superam as efetuadas nos EUA.
14. Só na Espanha e só de bancos alemães, os créditos montam a 240 bilhões de euros (US$ 330 bilhões), i.e., 44% dos empréstimos germânicos na eurozona, que somam 540 bilhões de euros (US$ 730 bilhões). Na Grécia estão apenas 8% desse total.
15. A Espanha é recordista de desemprego, com oficiais 18,8% já no final de 2009. Sua degringolada provém, em boa parte, da depressão reinante no continente, a qual acarretou aguda queda nas receitas do turismo.
Absurdo mundial e no Brasil
16. O euro já se desvalorizou 10% em relação ao dólar, desde o recente começo da crise monetária européia. Tal é a falta de seriedade dos mercados financeiros, que o dólar, embora não valha muito mais que lixo, vem sendo imaginado como refúgio de valor por muitos que se livram do euro. Como piada, isso não seria mau, mas acontece e agrava a tragédia da economia mundial, arrasada pelas jogadas da oligarquia.
17. O Brasil continua, de um lado, a propiciar lucros imensos aos bancos estrangeiros em função das taxas de juros internas incrivelmente altas. De outro, mantém, com prejuízo, reservas de quase US$ 240 bilhões, aplicando-as a juro zero, com a inflação do dólar a 4% aa. Pior: a desvalorização cambial, sofrida em 2009 é oito vezes maior que isso, e perspectiva futura de queda afigura-se desastrosa.
18. Enquanto isso, não está distante o reflexo sobre o País das encrencas dos bancos estrangeiros em suas bases no exterior. Um dos primeiros da fila é o Santander, o quarto maior banco múltiplo em atividade no Brasil.
Nota sobre a privatização do BANESPA
A União entregou-o ao Santander nas condições mais vergonhosas que se possa imaginar, depois de o ter federalizado e de nele gastar mais de 20 bilhões de reais em pretenso “saneamento”. As privatizações dos bancos estaduais envolveram empréstimos do Tesouro Nacional aos tesouros estaduais através do Banco Central e do Programa Especial de Reestruturação dos Bancos Estaduais (PROES).
Essas operações até 2000 custaram cerca de US$ 48 bilhões (6% do PIB da época), e os empréstimos não foram pagos, a não ser na parte convertida em dívida dos estados com a União, ficando, de qualquer forma, o prejuízo para o erário público. Não bastasse isso, o BANESPA, além de recursos em caixa, e de fabuloso patrimônio, tinha créditos fiscais a receber de R$ 2,9 bilhões.
No final de 2000, sob os ridículos pretextos de que “graves lesões às ordens econômica e pública” poderiam resultar da suspensão e de que a avaliação do BANESPA estaria correta1, o ministro Carlos Velloso, então presidente do STF, cassou as liminares que suspendiam a privatização, não obstante grosseiras inconstitucionalidades e irregularidades, inclusive o preço mínimo para o controle absurdamente subestimado.
Esse foi R$ 1,85 bilhão, equivalente hoje ao lucro em quatro meses. Ademais, os regulamentos das privatizações permitem o pagamento em títulos podres. Houve ágio inusitado de 281%, mas os “compradores” recebem créditos fiscais em quantia equivalente ao ágio.
Nota:
1 Os avaliadores foram o Banco Fator, laranja de bancos estrangeiros, e o Consórcio Booz-Allen, empresa de consultoria norte-americana.
*Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de ‘Globalização versus Desenvolvimento’, editora Escrituras.
Fonte: Fundação Lauro Campos, citando A Nova Democracia, nº 63 – março de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário