quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Quem é Serra e quem é Dilma.


Não acreditamos que esta localização econômica do Brasil seja alterada qualitativamente com Serra. A atual campanha eleitoral do 2º turno se limitou durante algumas semanas ao giro conservador contra a descriminalização do aborto, também porque o debate das questões programáticas mais estruturantes da economia está num terreno de consenso. E isto não nega as diferenças entre PT e PSDB, que são representações superestruturais relevantes para uma análise precisa.

O PSDB de Serra representa a grande burguesia paulista e de todo o Sudeste, incluindo Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro. Apesar de Serra não ganhar no Rio, ganhou em Santa Catarina com o projeto reacionário representado pelo DEM. Sua base mais forte é a alta burguesia industrial automobilística, de autopeças e as petroquímicas paulistanas, além de uma parte do agrobussines (soja, cana de açúcar, carne).

Do ponto de vista da superestrutura política e origem de classe Serra e seu partido tem relações orgânicas e são parte da burguesia, e com as classes dominantes que estão no poder a muito tempo. Foram deslocadas por Lula e pelo PT, que tiveram sua origem no movimento dos trabalhadores, setores da Igreja e dos intelectuais. O PSDB é, evidentemente, um setor mais confiável para a burguesia.

Lula e Dilma representam a unidade de grandes setores burgueses recentemente desenvolvidos em conjunto com o capitalismo de estado burguês e corporativo. Essa união se expressa no fortalecimento da Petrobras e todas as empresas estatais incluindo os Bancos -que cresceram mais dos 30% de 2002 ao 2009-, com o expansionismo capitalista a novas zonas do país, principalmente Nordeste, onde se instalaram grandes empreendimentos.

Os poderosos investimentos estatais criaram novas redes de relações com os mega empresários das “multilatinas brasileiras”, que jogam papel sub-imperialista na América Latina. Por exemplo, a Petrobras (semi-estatal), que A Vale do Rio Doce (de Ike Batista, apoiador de Lula), a nova “Fast Food”, fusão de Perdigão-Sadia, e a “Ceará” que se apoderaram dos principais frigoríficos da Argentina e do Uruguai. As empreiteiras de Odebrecht, Camargo Correa, fazem grandes negócios em Latino América. Sem perder de vista a forte aliança com banqueiros, aos quais foram asseguradas as maiores taxas de lucro da história do país, dentre eles o maior banco privado do hemisfério Sul, o Itaú-Unibanco (de Setúbal, também apoiador de Lula).

Não é por acaso que durante o governo Lula, surgiram conflitos com a Odebrecht no Equador e com a Petrobras também em Equador e na Bolívia, fruto dos processos de avanços sociais soberanos nestes países. A luta por um preço mais justa da energia de Itaipu com Paraguai, a invasão dos grandes cultivadores de soja em terras bolivianas e paraguaia.

Assim, se Serra é um representante mais orgânico e tradicional da burguesia, o Lulismo expressa uma mescla de grandes setores burgueses dinâmicos, beneficiados por grandes transferências de recursos públicos, graças ao crescimento da inserção financeira do Estado. Trata-se de uma unidade das “multilatinas” com o capitalismo corporativo mais entrosado com os negócios do Estado, formado à sombra do governo. Governo com a potência financeira de quem controla o capital estatal, os fundos multimilionários de pensão e as grandes empresas controlados pela burocracia sindical. Uma relação orgânica se mede também pelos recursos de investimento.

Daí que não podemos no possamos falar mais com o PT que conhecíamos nas décadas de 80-90. O “lulismo” é um fenômeno novo de transformação e degeneração do próprio PT, esvaziado de seu caráter de classe. Nem podemos falar da definição que Lenin e a III Internacional tinham dos governos operários burgueses. O PT transformo-se em sua essência num partido com rasgos populistas, com sólidos acordos com o PMDB e com os setores empresariais, com a burguesia burocrática que opera através do Estado, e que se fortaleceu nos 8 anos de governo Lula. O seja que o PT sofreu uma mudança qualitativa, e apesar de conservar alguns traços anteriores em a existência de setores à esquerda, mas como partido foi essencialmente dominado por Lula, seu bonapartismo e seu promíscuo arco de alianças.

Caio Prado Jr, em seu livro “A Revolução Brasileira” desenvolve o caráter burguês do corporativismo de Estado e a corrupção intrínseca da máquina estatal capitalista referindo-se a Era Getúlio Vargas. Podemos utilizá-lo para nossos dias de Lulismo.

O próximo governo e a política para América Latina

Aos militantes latino-americanos do campo do bolivarianismo, surge uma legítima dúvida se um triunfo de Serra não abriria um período violento. Se não seria um “Uribe brasileiro”, disposto a trazer bases militares e apoiar militarmente uma política do imperialismo contra o processo bolivariano.

O terreno internacional é exatamente a zona de maior diferença entre Serra e Dilma. Mas Serra não será Uribe. Como disse o próprio FHC, terá que seguir o processo geral construído durante os últimos anos pela burguesia brasileira em relação aos negócios latino-americanos, e este caminho para alcançar o papel de sub-potência não será revertido pelo PSDB, e passa por certa “diplomacia econômica” no continente.

E Lula apresentou em alguns momentos contradições com os EUA, especialmente no caso do golpe militar em Honduras, durante o qual jogou um papel progressivo. Também estabeleceu novas e importantes relações comerciais com Cuba e Venezuela, e defendeu a entrada deste último no MERCOSUL. Contudo, nunca deixou de responder aos interesses da grande burguesia brasileira, associada às grandes empresas estrangeiras instaladas no país, que formam mais de 40% da produção nacional. Não por acaso, tanto Bush como Obama se sentem amigos de Lula. Na realidade, graças à alta estabilidade alcançada nos país na era Lula, o Brasil pode cumprir este papel de amortecedor para os processos bolivarianos.

Lula tampouco não foi um fanático do Banco do Sul, -muito menos do ALBA-, porque as classes dominantes brasileiras e as multinacionais que aqui funcionam não estão interessadas no assunto, e estão mais voltadas às suas próprias inversões, que lhes permitam controlar a mais valia e o lucro das exportações de capitais.

Por outro lado, Lula não quis o aprofundamento de nenhum processo em curso, pois todos eles seriam um contra-exemplo para a harmonia de classes e sua associação com o capital estrangeiro no país. Dessa maneira, Lula não significou nenhuma ameaça direta ao bolivarianismo, mas serviu com estabilizador continental, que em última instância favorece as classes dominantes contra o aprofundamento destes processos.

A relação de Lula com o imperialismo foi uma “associação conflitiva”, na qual o principal conflito foi o espaço que Lula buscou ocupar diante da fragilidade dos EUA. Essa associação se tornou clara quando enviou tropas ao Haiti, balizando um patamar de forte acordo imperialista. Com Serra a possível “associação” não será “conflitiva”, e ele será um agente mais obediente da política internacional dos EUA.Mas não abdicará, ante o imperialismo, do caráter de sub-potência alcançado pelo Brasil de Lula. A relação com os países da região será mais tensa. Mas isso não será um fenômeno qualitativamente diferente, pois ambos os candidatos defenderão o papel brasileiro de sub-potência, que necessita de certa independência em relação aos EUA.

A única garantia para que com um governo Dilma ou um governo Serra o imperialismo e as burguesias nativas deixem de ter condições de desestabilizar o bolivarianismo, é tirar o poder que ainda têm. Enfraquecer cada vez mais as burguesias opositoras e os interesses do imperialismo nesses países. Isto significa aprofundar as nacionalizações dos setores estratégicos, aprofundar o processo democrático de participação popular, combater a burocratização e a corrupção, e por último, utilizar o prestigio popular para que em Bolívia e em Equador ocorram uma democratização para uma mudança nas forças armadas como sucedeu na Venezuela.

Pedro Fuentes
Secretaria de Relações Internacionais PSOL

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